sábado, 8 de junho de 2019

Tenho que confessar meu pecado ao meu pastor?

Acredito que todo mundo conheça o sistema católico de confissão auricular, aquele que você vai até a igreja e o padre fica dentro do confessionário ouvindo seus pecados e após a consulta ele profere a sentença: tantas ave marias e tantos pai nossos. E seus pecados estão perdoados. Nós sabemos que não há uma passagem sequer na bíblia dê suporte à essa prática. Para nós protestantes isso é muito claro, mas eu fiquei admirado ao saber que há pastores que pregam a confissão sacerdotal. O pior é que eles não querem ouvir pecadinhos do tipo: "menti pro meu chefe"; eles, ao que tudo indica, estão mais interessado nos "pecadões" como fornicação e adultério.

Certa vez ao ouvir que era necessário confessar nossos pecados ao pastor, eu solicitei a base bíblica e, como era de se imaginar, não encontrei consistência exegética alguma que indicasse que essa dourina tivesse sido ordenada pelo nosso Senhor.

Me foi dado cinco versículos que supostamente dão suporte à confissão sacerdotal. Eu deixo aqui o versículo com o comentário original, e abaixo de cada um eu faço meus comentários, com base exegética e comentário de outros comentaristas.

Bases bíblicas e comentários

1. "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados [...]" (Tg 5:16).

Comentário original: Tiago mostrando a necessidade de se confessar, de orarmos e assim alcançarmos a cura.

Meu comentário: muitos comentaristas ao tentar explicar essa passagem deixam bem claro que não é uma tarefa fácil. A regra de ouro da exegese bíblica é olhar para o contexto, mas nesse caso o contexto não nos ajuda tanto como em outras passagens difíceis. No verso 12 Tiago fala sobre juramento, no verso seguinte fala sobre enfermidade (v. 13), ele então orienta para chamar os presbíteros para ungir o enfermo com óleo e também orar (v. 14) e no verso em questão ele orienta para confessar os pecados uns aos outros. Estaria a enfermidade relacionada com o pecado? Não sei. O fato aqui é que a ordenança de confessar uns aos outros não dá margem alguma para uma confissão sacerdotal como podemos ler no comentário de Benson [1].


2. "Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com o espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado." (Gl. 6:1).


Comentário original: os que confessam ou são flagrados pecando devem ser restaurados pelos espirituais. Como a igreja ajudará na restauração se não houver a confissão?


Meu comentário: o primeiro erro que eu vejo no comentário original é o de afirmar que um pecador pode restaurar outro [o que cometeu o pecado em questão] e o segundo é o de colocar no mesmo contexto a confissão espontânea com o flagrante, que é o que se trata o texto.

O texto é claro: "se alguém for surpreendido nalguma falta" (v. 1). A palavra aqui usada para "ser surpreendido" em Grego é προλημφθῇ (prolēmphthē) quer dizer “ser pego [de surpresa]”, ou seja, no ato. Exemplo, você está passeando e vê um irmão que é casado aos beijos com outra mulher em um restaurante, por exemplo. Você espera o momento oportuno e conversa com o irmão, "corrigindo-o com espírito de brandura". Eu não consigo ver "corrigir" como sinônimo de "restaurar".

3. "O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia." (Pv. 28:13)

Comentário original: de Deus ninguém esconde nada, pois Deus tudo vê, então, o texto está subentendido que a confissão é aos homens.

Meu comentário: é até difícil comentar o comentário original sem querer soar arrogante, mas esse comentário parece ser de alguém que entende muito pouco de bíblia, uma vez que tanto no AT quanto no NT temos vários versos nos ensinando a confessar nossos pecados a Deus, mesmo ele sabendo de tudo. O primeiro que posso mencionar é o Salmo 32. O salmista fala do processo doloroso em que ele estava passando por não ter confessado seu pecado a Deus (v. 3-4) e logo em seguida diz que foi perdoado após sua confissão (v. 5). Fica evidente que a conclusão do comentário original está errada, uma vez que o salmista nos ensina a confessar nossos pecados a Deus. E isso fica mais evidente ainda no caso do mago Simão, quando ele tenta comprar o dom do Espírito Santo, Pedro o confronta e fala para ele rogar ao Senhor, para que talvez ele seja perdoado. (At 8:22). Se Deus já sabe e não é preciso confessar nossas transgressões a Deus, por qual motivo então o apóstolo manda fazer justamente isso? João também escreve que devemos confessar nossos pecados ao Senhor (1 Jo 1:8; 2:1). Então fica evidente aqui que esse provérbio não dá base alguma para a confissão ao seu pastor.

4. "Se teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça." (Mt. 18:15-16).

Comentário original: Quando o pecado atinge a igreja e/ou membro.

Meu comentário: o texto aqui fala de um pecado contra alguém  “Se teu irmão pecar contra ti, vai e reprove ele entre você e ele só.” Minha versão ARA está como arqui-lo mas o significado original quer dizer reprovar, repreender. Então vemos que o texto trata de um pecado contra alguém. Se acaso o transgressor não te ouvir, então leva-se uma ou duas pessoas para que caso ele insista no erro, essas pessoas juntamente com você sirvam de testemunhas perante a igreja. Novamente não vejo aqui nenhum suporte ao argumento original que é a confissão ao pastor.

5. "Então, saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judeia e toda a circunvizinhança do Jordão, confessando os seus pecados." (Mt. 3:5-6).

Comentário original: Por fim, João ouvia a confissão dos pecados e logo após batizava.

Meu comentário: o contexto mostra que não eram poucas pessoas sendo batizadas (v. 5) e o comentarista Ellicott escreve que o tempo verbal Grego [2] denota uma sucessão contínua [um atrás do outro], o que torna confissões específicas ineficientes devido ao tempo. Este comentarista também é da ideia de que a confissão aqui é uma confissão pública [geral], do tipo "peço perdão pelos meus pecados" e não algo do tipo "eu traí a minha esposa, ontem menti para o meu irmão, falei pro meu chefe que já tinha começado o projeto, mas nem comecei ainda, etc". No Expositor's Greek Testament vemos uma questão interessante a esse respeito, no que tange a palavra usada para confissão. A palavra usada neste texto para confissão é ἐξομολογούμενοι (exomologoumenoi). Aqui há uma preposição ἐξ (ex/ek) que tem o significado de "fora de" [traduzido livremente do Inglês], essa mesma palavra foi usada em At 19:18 e Tg 5:16 e os comentaristas são do acordo que quando usada com essa preposição a palavra tem um significado de uma confissão pública, diferente de 1 Jo 1:9 em que a palavra é o verbo menos a preposição ἐξ (ὁμολογῶμεν (exomologoumen) (1 jo 1:9)). Em sua primeira carta João fala da confissão individual, apesar de usar o termo "se confessarmos", mas este é um uso prático da linguagem, muitas vezes usamos "a gente" para de forma modesta nos referirmos a nós mesmos. Porém tanto o Exporitor's greek quanto Ellicott sugerem que possivelmente houvesse confissões particulares mais graves, ideia também suportada por Vincent's Word Studies. Porém tanto Vincent quanto o Expositor's Greek falam que a confissão era realizada ENQUANTO eles eram mergulhados, o texto original diz que "eram por ele batizados confessando seus pecados" e não "confessavam seus pecados e eram batizados", logo a frase "João ouvia a confissão dos pecados e logo após batizava" está equivocada, essa ordem não é encontrada em nenhuma tradução. O Expositor's Greek afirma que a confissão não era uma condição sine qua non [só se batiza se confessar tudo], então não podemos afirmar que a confissão de João Batista é uma base bíblica para confissão ao homem.

Conclusão

A conclusão que eu tiro dessa exposição é a de que não há um verso sequer em toda bíblia que nos ensine a fazer uma confissão obrigatória ao pastor. Usando o texto de Tiago 5:16 como base eu, porém, acredito que as vezes nós mesmos ficamos reféns de certo(s) vício(s) ou pecado(s) e nesse caso talvez uma conversa com o seu pastor ou um irmão muito espiritual possa ajudar na busca pela libertação, um orando pelo outro, mas tendo em mente que a graça e a misericórdia vem de Deus.

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[1] Benson. Disponível em <https://biblehub.com/commentaries/james/5-16.htm>. Acessado em 08/06/2019.
[2] Ellicott. Disponível em <https://biblehub.com/commentaries/ellicott/matthew/3.htm>. Acessado em 08/06/2019.


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