sexta-feira, 10 de maio de 2019

Cuidado com o Devorador

Antes de mais nada quero deixar muito bem claro que não sou contra o dízimo. Sou contra sim as ameaças e falsas promessas que sempre têm num sermão onde o dízimo é o foco. Confesso que meu sangue ferve quando ouço coisas do tipo "Dê o dízimo para que o devorador não toque nas suas finanças." Ou "Quem dizima, é abençoado." Mas e na prática como é isso? Vejo igrejas com muitos membros e nunca vi nenhuma Ferrari lá, ou alguém pousando de helicóptero (talvez algum "dono" de igreja sim), significando que o irmão foi abençoado por ser um bom dizimista.

A desculpa é sempre a mesma: ser abençoado não é só ter dinheiro. Olha a conversa fiada, na hora de pregar sobre dízimo e dizer que Deus vai abrir os celeiros do céu se trata de dinheiro, mas na hora de dar uma desculpa por não sermos abençoados financeiramente aí o tom da conversa muda; a definição de "benção" já é outra.

Eu creio sim que o crente deve dizimar e ofertar para manter os serviços da casa do Senhor em pleno funcionamento. O dinheiro do aluguel da igreja não cai do céu, as contas de luz, internet, água também não são pagas de forma miraculosa, todas essas contas e mais outras são pagas com dinheiro oriundo dos dízimos e ofertas. O que acho errado são as promessas surreais de "bençãos" e ameaças de que o devorador está aí só esperando você não dar o dízimo para destruir suas finanças. Sangue de Jesus tem poder! Para falar uma bobeira dessas você terá que concordar com as seguintes afirmações: 1. Deus é vingativo, pois apesar de ter sido misericordioso para nos agraciar com a vida eterna, ele está só esperando nós vacilarmos para se vingar da forma mais cruel: atingindo as finanças que são parte fundamental para a vida das famílias. Que Deus mau! E o pão de cada dia fica onde? (Mt. 6:33) Me parece que Deus está esperando que o crente não dê o dízimo para deixá-lo só no pão e água. 2. E se você falar que por Deus ser santo e não fazer esse tipo de coisa, terá que concordar que ele é igualmente mau por deixar o Satanás fazer isso - pois se como dizem que o devorador é o satanás - ele ao perceber que o crente não deu o dízimo, vai lá no terceiro céu e pede a aprovação de Deus para bagunçar a vida do crente (Jó 1:12) e Deus em sua infinita "bondade" o permite para dar uma lição no crente desobediente.

Eu já ouvi dizer que o crente que não dizima não vai pro céu, pois ele está roubando Deus e os ladrões não vão pro céu (1 Co 6:10). Nem vou entrar no mérito dessa questão. Se Jesus voltasse hoje, muitas crianças e adolescentes iriam pro inferno, pois não dão a décima parte de suas mesadas. Já pensou nisso? Você pode até alegar que o pai já deu o dízimo, então o montante da mesada estaria livre do "imposto celestial", mas se fosse assim, os funcionários de um fazendeiro que é dizimista e dá o dízimo de sua colheita não precisariam dizimar pois o patrão já deu.

Vamos para outro cenário baseado na promessa de que se eu dizimar o devorador não tocará nas minhas finanças. Eu sou um trabalhador normal que troco meu tempo por uma remuneração, isso no setor privado, e estou sujeito às mudanças econômicas: país entra em crise, empresas demitem etc. Então eu tenho que estar em constante alerta para não ser pego pelo devorador, pois se eu der o dízimo direitinho, mesmo se a empresa em que eu trabalho me desligar, Deus é obrigado a me dar outro trabalho, certo? Errado, e já vou dar explicações econômicas para isso. Agora vamos para um crente concursado. Felipe Labaxuria é funcionário público, ele vez ou outra oferta alguma quantia para a casa do Senhor, mas não é fiel nem nas ofertas e nem nos dízimos. Me responda, no caso de alguém que trabalha no setor privado e por este motivo não tem estabilidade, ou seja, pode ser desligado a qualquer momento, nesse caso seria muito fácil para o "devorador" pegar ele, bastaria fazer com que ele fosse desligado da empresa. Mas e no caso do Felipe Labaxuria que tem estabilidade e não pode ser mandado embora, como que o devorador vai pegar ele? Tenho algumas idéias: ele poderia ser acometido por alguma enfermidade fazendo com que ele gastasse seu salário com remédios, consultas etc, e/ou o devorador podia fazer alguém bater no carro do Felipe e fugir assim Felipe iria assumir os prejuízos, e isso poderia ser feito várias vezes até Felipe desistir de ter carro (ou não ter mais condições de ter um), e quando ele não tivesse mais carro o devorador arrumaria outra forma criativa de castigar Felipe. Duas formas simples de atingir as finanças de Felipe. Mas que Deus é esse que busca formas de punir seus filhos de uma forma tão brutal?

E enquanto as promessas? Eu sou novo convertido (me converti em mar/2018) mas já ouvi cada coisa. Em uma ocasião o pastor falou que passou um bom tempo como cooperador pois ele não era um dizimista fiel, foi somente a partir do momento em que ele começou a ser fiel nos dízimos que seu "ministério decolou" além do mais, ele foi promovido várias vezes.

Não são rara as vezes em que ouço de que o segredo da prosperidade está no dízimo, e citando o texto de Malaquias o pastor até mencionam "[...] e vejam se não vou abrir as comportas dos céus e derramar sobre vocês tantas bênçãos que nem terão onde guardá-las." (Ml 3:10 NVI) e os irmãos dão aquele glória a Deus. Hoje sabemos que naquela época a economia era baseada na agricultura e pastoreio, então o texto faz muito sentido quando diz que não haverá local grande o suficiente para guardar a produção (trigo, cevada, etc) mas hoje em dia, há bastante lugar sim, na minha conta bancária cabe o quanto quiserem colocar lá, pode por R$ 1 milhão, R$ 100 milhões que cabe tranquilamente, e até hoje espero essa abundância, meu celeiro ainda não encheu!

Eu queria entender como seria o processo de castigo e benção nos dias atuais. Na época de Israel, era simples, eu fui criado na roça sei como funciona, na época de chuva, planta-se espera-se o tempo determinado e colhe-se o que plantou, então se eu não dizimasse esse ano, poderia esperar uma colheita bem rala no próximo ano. Mas e nos dias atuais, se eu não dizimar, quando que o devorador vem me pegar? No próximo ano? E como está escrito no texto, basta dizimar que na próxima colheita as comportas dos céus se abrirão, então logicamente o dízimo seria maior e talvez no próximo ano poderíamos nós esperar uma colheita ainda maior? A cada ano uma colheita maior do que a outra, que benção, esse tipo de retorno é bem melhor do que qualquer Fundo de investimento. Aplicando o texto nos dias atuais poderia eu esperar um aumento salarial no próximo ano? Se o aumento fosse na casa dos 10% a.a, e eu começasse a carreira ganhando um salário de R$ 2.000 por mês, em 30 anos eu estaria ganhando R$ 34.898. Que benção meus irmãos, vamos todos dizimar!

Quantas pessoas você conhece que ganham esse valor? Eu já conheci um diretor que ganhava próximo a esse montante, ele nem evangélico era, era espírita, mas ele estudou muito e era extremamente inteligente, fruto de muito estudo. Se essa lógica se aplicasse aos dias de hoje, mesmo que fosse verdade, e todos os crentes ganhassem aumentos reais todos os anos, iria acontecer duas coisas: 1. muitas pessoas vendo seus irmãos crentes viriam pra igreja em busca de bençãos materiais e não salvação e 2. como o mercado não funciona dessa maneira, a inflação comeria o poder de compra do dinheiro, fazendo com que, apesar do aumento nominal, o valor real ficasse estável ou até menor (inflação).

Sobre oferta. Em certa ocasião eu ouvi dizer que o dízimo era pra repreender o devorador e a oferta para receber a benção. Então você dizimando estaria repreendendo o devorador e ofertando Deus lhe abençoaria com mais dinheiro. Vejo várias igrejinhas com irmãos em condições normais, então se é verdade a afirmação acima não me resta outra alternativa a pensar, ou os irmãos não estão dizimando ou não estão ofertando, pois eu sempre passo aqui e ainda não vi nenhum Audi, Sportage estacionado em frente da igreja, pois se for verdade que as ofertas trazem bençãos e a lógica que descrevi em parágrafos acima estiver certa, todo ano os irmãos estariam melhores financeiramente e teriam condições de comprar belos carros, mas se não é assim na prática. Onde está o problema? Será se é na fé? Agora vamos analisar essa outra questão; desculpa de fé.

Sabe-se que há diversos textos em que a bíblia diz que se pedirmos com Deus irá atender (Jo 14:13; Mc 11:24) e eu já escrevi isso aqui. Mas se é só pedir com fé então Deus atende? É muito dizer isso, pois se o irmão chegar no pastor e reclamar que até agora nada de Deus aparecer com a benção o pastor pode simplesmente dizer que o irmão não pediu com fé o bastante. Aí eu te pergunto, faltou fé da parte de Paulo para que ele não curasse Timóteo? Ou quando Paulo pediu a Deus para que tirasse o espinho de sua carne e Deus falou "não", faltou fé da parte de Paulo?

Eu poderia descrever alguns outros cenários que colocaria em total descrédito essa triste prática de ameaças e falsas bençãos acerca do dízimo, mas vou parar por aqui. Antes que me venham com o relato de Abraão e Melck de Gênesis 14, leiam aqui o que escrevi sobre isso.

No Novo Testamento não temos nenhum relato sobre a quantia exata a ser dada como "dízimo". Temos sim relatos de Paulo fazendo coleta de ofertas (2 Co 8,9), Paulo agradecendo aos Filipenses por terem enviado ofertas para ele (Fl. 4), vemos em Atos os irmãos dando dinheiro aos apóstolos para ajudar na obra (At 5), Paulo fala que o obreiro é digno do seu salário (1 Tm 5), e assim como o dinheiro do aluguel da igreja onde nos reunimos para adorar a Deus não cai do céu, também não vai cair o dinheiro para pagar o pastor. Alguns podem até falar que pastor não é profissão e que deveria ser um trabalho voluntário, mas se formar não custa barato e dependendo do tamanho da igreja o pastor não consegue trabalhar fora.

Alguns até mencionam o relato do Senhor Jesus confrontando os Fariseus acerca do dízimo da hortelã (Mt 23), mas vamos separar o objetivo de cada narrativa, pois se formos levar ao pé da letra tudo o que Jesus falou, era pra eu estar sem meus dois olhos pois Jesus disse que se meu olho me fizesse pecar eu deveria arrancá-lo (Mt 18).

Meu relato pessoal. Eu dou os 10% do que ganho e sempre que posso, oferto, não por conta do que está escrito em Malaquias pois eu sei ler interpretar a bíblia e sei que é para Israel e o que é para a Igreja e não me deixo iludir pelo discurso dos pastores despreparados ou mal intencionados pois eu prefiro ficar com 2 Co 9:7 onde diz que "Deus ama quem dá com alegria." Se eu dizimar esperando uma benção, isso não é por alegria e sim por interesse. Se Deus quiser me abençoar; ele é Deus, senão quiser, ele continua sendo Deus.

Nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1).

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