terça-feira, 21 de maio de 2019

Eleição corporativa ou individual. Inconsistência de Silas Daniel em seu livro Mecânica de Salvação

Dr. H. Orton Wiley é um teólogo Nazareno que escreveu "É lógico que eu prego a ideia de que a predestinação é corporativa" [1] e ao mesmo tempo ele concorda que Deus tem a presciência de quem crerá em Cristo [2], não enxergando a inconsistência dessas duas afirmações.

Eu quis começar com essa afirmação pois Wiley é um conhecido teólogo arminiano, de origem nazarena, mas o foco da minha análise é no livro Mecânica de Salvação do assembleiano Silas Daniel no qual o dito autor incorre no mesmo erro de Wiley. Em uma parte do seu livro ele, defende de que a eleição e a predestinação são corporativas e em outra parte do livro entra em contradição ao citar a distinção de que Armínio faz do eleito para o crente [3], uma vez que Armínio, apesar de não não ter se posicionado firmemente na questão da perca de salvação, deixando esse debate em aberto, vemos claramente que sua distinção entre eleito e crente deixa bem claro, para o bom entendedor, de que a ideia de eleição corporativa não é uma posição ou um ensino original de Jacó Armínio, como muitos pregam por aí.

Como eu falei no parágrafo acima, não encontramos em nenhum dos escritos de Armínio algo do tipo "olha, o crente não perde a salvação". Mas a distinção de que Armínio faz do crente para o eleito deixa evidente sua posição. A confusão que se faz são com versos em que a bíblia trata de apostasia. Não podemos negar que há essa possibilidade. É errado falar que a possibilidade de apostasia significa no eleito perdendo a salvação. Se o indivíduo apostatou da fé, isso só significa que ele nunca foi um eleito.

Paulo escreve para Timóteo que "alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios" (1 Tm 4:1) e mais tarde na segunda carta endereçada a Timóteo ele continua dizendo que "haverá [um] tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças [...] e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas." (2 Tm 4:3-4). Mas isso em nada contrasta com o ensino da eleição. Jesus ensinou que na igreja há tanto joio quanto trigo (Mt 13:24-39), mas eis a diferença; Jesus diz que suas ovelhas ouvem a sua voz e elas o seguem (Jo 10:27), bem diferente daqueles que obedecem espíritos enganadores, conforme Paulo escreve para Timóteo. (1 Tm 4:4), que acabam apostatando ou se desviando da fé verdadeira (1 Jo 2:4).

Lembremo-nos que da mesma forma que muitos seguiram Jesus tão somente por causa dos pães (Jo 6:26) hoje em dia também há os que buscam a igreja por outros motivos, como bençãos materiais, ou um discurso mais brando, mais massageador conforme já mencionei no parágrafo anterior.

Então todos esses que estão na igreja buscando apenas bençãos materiais, curas, uma vida sem provas, só de vitória mas que pouco se importam com a salvação ou em levar uma vida de santificação (1 Co 1:1) e que não dão frutos (Jo 15:2) são são os ramos que são cortados. Por falar em ramos que não dão frutos, alguns gostam até de usar o exemplo de João 15 para dizer que Deus "corta" os crentes que vivem uma vida de pecado. Isso não é verdade, pois se assim Deus fizesse ele não estaria sendo justo, ele pode até disciplinar seus filhos verdadeiros (Hb. 12:6), mas daí dizer que ele arranca os crentes da igreja, não, pois Jesus ensinou na parábola que a separação ocorrerá no dia da colheita (Mt. 13:24). Então Deus não vai proibir os não-eleitos de irem para a igreja, porém esses mesmos sairão quando postos a prova como escreve  Pedro: "se necessário sejais contristados por várias provações, para que uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo;" (1 Pe 1:6-7). Ou seja, o crente de verdade é posto a prova e uma vez confirmado o valor de sua fé, está redundará em louvor e glória em Jesus, já o crente que não é verdadeiro não suportará a prova e sairá da igreja resmungando de tudo e de Deus, pois creem que se Deus é amor (1 Jo 4:8), acham que não deveriam passar por prova alguma.

Mas voltando ao caso do livro em questão. O autor do livro ao explicar os versos que tratam da eleição, afirma que quando a bíblia fala em eleição, esta se refere ao coletivo ou a Cristo Jesus, pois ele foi o "escolhido (Is 42:1). Mas afirmar isso é afirmar que Deus tinha outras opções além de Jesus e também é dizer que Deus é um e Jesus Cristo é outro, o que é totalmente antibíblico uma vez que "o verbo [Jesus] era Deus" (Jo 1:1) e que Jesus e Deus são um só (Jo 10:30). É óbvio que a questão da trindade é algo muito complexo e é o que os teólogos chamam de mistério [4], então não podemos ler os textos que tratam Jesus como o escolhido ou eleito como uma justificativa para dizer que a eleição é Cristo. Acredito que eles usam esse artifício para confundir a cabeça dos menos interessados, aqueles que não vão a fundo no entendimento de certas doutrinas.

Não vou aqui descrever todos os artifícios usados pelo autor para dar suporte à essa teoria inconsistente, vou apenas destacar dois. O primeiro está na tentativa de justificar a eleição corporativa usando um artifício linguístico. Ele escreve: "A eleição, portanto, é cristocêntrica [dizendo que Cristo é o eleito]. Mas, não só isso: ela também é corporativa. A Bíblia sempre fala da eleição para Salvação no plural - Deus "nos elegeu" (Ef. 1:4). A única exceção, que confirma a regra, é Romanos 16:13, onde Rufus é chamado de "eleito no Senhor". É óbvio que se há eleição de um povo, há indivíduos eleitos. A salvação não é impessoal. Todavia, quando o assunto é eleição, o foco bíblico recai invariavelmente sobre o grupo, sobre esse "povo" (Ef. 2:14,19) [...] o foco da eleição não é o indivíduo, mas o grupo, o corpo, a Igreja, formada por todos aqueles que creram em Cristo e permanecerão até o fim." [5].

Esse argumento de que o fato de a palavra eleição estar escrita no plural indicando, portanto a ideia de que o foco da eleição é o grupo é um absurdo, pois as epístolas foram escritas e endereçadas não somente a uma pessoa (exceto as cartas a Timóteo e Tito) e por este motivo tinham que estar no plural. Como que Pedro escrevendo para todos os santos que estavam no Ponto, Galácia, Capadócia, Asia e Bitínia (1 Pe 1:1) iria se referir a eles no singular?

Vejamos a diferença comparando com uma carta direcionada a uma só pessoa. "Paulo, apóstolo de Cristo Jesus [...] a Timóteo, verdadeiro filho na fé [...]" (1 Tm 1:1-2) e comparemos com a saudação de Paulo aos irmãos em Colossos: "Paulo, apóstolo de Cristo Jesus [...] aos santos e fiéis irmãos em Cristo que se encontram em Colossos [...]" (Cl. 1:1-2). Notaram a diferença? Uma foi endereçada à uma pessoa, a outra à várias pessoas, aos santos daquela cidade, ou de várias regiões como foi o caso das cartas de Pedro, então esse argumento de que pelo simples motivo do termo estar no plural significa algo além do que o texto implica é falacioso e não deve ser aceito como argumento.

O segundo ponto é o fato de o autor não mencionar um texto muito importante para nosso entendimento, que se encontra na segunda epístola de Pedro, onde o apóstolo escreve "Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição;" (2 Pe 1:10). Se o eleito é Cristo, como então que Pedro pede para nós confirmarmos nossa eleição? Ele se dirige aos irmãos, mas o comando é a cada um individualmente, "vossa eleição". Sem contar a já mencionada inconsistência em mencionar um texto de Armínio no qual ele, como já mencionei, ao diferenciar o eleito do não-eleito [crente] deixa claro que ele nunca ensinou sobre eleição corporativa, pois ele se refere ao eleito no singular, em outras palavras, o indivíduo, pois a salvação é individual (Jo 1:12, 3:36, Rm 10:9).


[1] Traduzido livremente de: Wiley and Others, "Debate over Divine Election," 5,15. Disponível em <http://evangelicalarminians.org/j-matthew-pinson-individual-election-corporate-election-and-arminianism/>. Acessado em: 16/05/2017.
[2] H. Orton Wiley et al., 3.
[3] Arminio, 2015, vol. 1, p. 227.
[4] Somos Todos Teólogos, p. 203
[5] Mecânica de Salvação, p. 429

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